quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Clímax Adiado

Estava a conversar com os amigos quando se lembrou de que talvez já estivesse na hora. Desviou com destreza os ouvidos das alheias vozes retumbantes que estavam prestes a dar início à batalha de flautas. Se antes estava excitado para assistir ao embate musical, agora se tornara indiferente ao que se mostrava ao seu redor. Olhou então para o relógio, e os ponteiros lhe disseram que ela já deveria ter chegado há um pouco mais de quinze minutos. A alegria tremeu nele, contava com a companhia dela desde a sexta passada, agora lhe vinha à dúvida se ela realmente apareceria, parecia que não. Voltou então sua atenção menos atenciosa ao já iniciado duelo, três quartos da sua atenção fora embora com a dúvida metamorfoseada de certeza insossa.

Foi então no meio da sua certeza amarga que um toque de celular fê-lo balançar, e ao ver o nome estampado no visor sem graça do aparelho a dúvida aflorava cada vez mais. Como se tivesse tempo para criar situações, ele imaginou que ou a ligação serviria para indicar a certeza de a pouco ou teria como conseqüência o triunfante retorno da expectativa com a qual tinha adormecido na noite anterior. Atendeu, e numa frase rápida vinda do outro lado da linha, voltou ao seu estado de apreensão e nervosismo. Ela viria, acabara de falar com a doce voz que a fosse esperar no portão.

Disse aos amigos que iria esperar alguém e que já voltava. Chegou ao portão, ele já sabia que ela ainda não estava lá, lógico, ela ainda não poderia ter chegado. Deitou-se na larga divisória do jardim, ligou seu tocador de músicas e pôs os fones, deixou que os olhos fechassem e ficou apreciando o momento angustiante da espera, mas era uma espera certa, ela chegaria, e não iria demorar muito. Não reparou no tempo exato que ficara ali esperando, quem sabe uns dez ou quinze minutos, com constantes e rápidas espiadas pelo canto do olho, para se certificar que ela ainda não chegara, e foi em uma dessas flexíveis conferidas que ele a viu passando pelo portão e parando ao seu lado. Ele sorriu e se levantou, o sorriso dela já estava estampado no rosto desde que o vira. Cumprimentaram-se verbalmente de modo rápido e se abraçaram fortemente. Falaram qualquer coisa, fizeram um laço com os braços e juntos caminharam até o local onde todos os outros estavam.

Ela cumprimentou todos, ou quase, sentou-se na mesa e ficou a dar atenção aos novos companheiros. Ele sentou-se ao seu lado e sem nem perceberem já estavam bastante próximos, o lado esquerdo dele com o direito dela colavam-se e os dois passaram a conversar mais entre si, mas sem deixar ninguém de fora e sem ficar de fora. Foi então quando a aclamada chegou. Os violões passaram a vibrar suas cordas mais fortemente, as flautas a desafinar com mais freqüência e as vozes a quererem se fazer mais presentes.

Os dois sabiam muito bem o que queriam, antes mesmo de ela atravessar as barras de ferro do portão. Ele tinha plena noção de que ela sabia dos seus interesses e de que os dela eram os mesmos, e a convicção dela não era diferente. Abraçaram-se um pouco de lado, e então ele começou a utilizar o seu olfato para compreender aquela essência que vinha dos seus negros cabelos, enquanto seus lábios percorriam com extrema delicadeza o pescoço suave dela, subindo depois em direção à orelha pronta para ser levemente tocada.

Ambos de olhos fechados, como se também pudessem fechar os ouvidos para barrar o inexorável barulho das vozes já alteradas, as quais procuravam acompanhavar as notas desafinadas que eram empurradas instrumentos a fora, aproveitavam o momento que se fizera como o melhor. Seus rostos colados face-a-face já ensaiavam uma dança, e o próximo passo era deslizar suas faces mutuamente. Depois de ensaiarem em suas mentes, começaram a executar com cautela e precisão o movimento predecessor ao clímax do espetáculo. Tudo ocorria com a magia e a cautela necessária, que mostravam que o ápice de tudo estava no círculo da certeza. E nesse momento, justamente nesse momento, a barreira de silencio que os envolvia foi rompida por sons estridentes que não sabem permanecer no limite da conveniência. A certeza que existia em ambos deu lugar à incerteza, a expectativa cresceu e com isso o esperado clímax não chegou naquele momento, mas foi adiado para que nada fosse apressado, mas sim para que fosse meticulosamente apaixonante.

2 comentários:

Violeta disse...

Lindo. Apaixonante.

*.*

A.M.E.I.

Parabéns, escritor, é um lindo conto x)

O Nog como sempre escrevendo coisas tão bonitas =D

Luciana Freitas disse...

Perfeito, claro ^^